Capítulo 11

 

O resto da viagem até Guildenhome correu sem incidentes. Ao chegarem á fronteira foram recebidos por uma escolta real.

 

«Bem vindos a Guildenhome.» disse Fábio saudando-os.

 

«Obrigado.» disse David. «Mas não me sabia esperado em Guildenhome.»

 

«Eu enviei um mensageiro.» confessou André.

 

«O rei espera-os.» disse Fábio sorrindo. «Sigam-nos por favor.»

 

Fábio assumiu a liderança com David a seu lado.

 

«Agora percebo porque os convidados reais odeiam escoltas reais.» disse Cátia.

 

«Realmente sinto-me mais uma criminosa rodeada de guardas.» disse Rose.

 

«Mas estamos mais seguros assim.» disse André.

 

A viagem decorreu sem problemas e Fábio aproveitou para por David a pardos últimos acontecimentos sobre Guildenhome. Ao longe podiam ver o grande castelo todo engalanado e preparado para uma festa real.

 

Poderia parecer que o rei, naquele momento de tanta crise, estava a gastar preciosos recursos com uma festa, mas havia uma razão para isso. Com a festa o moral do seu povo aumentava, esqueciam nem que fosse por umas horas as agruras da guerra, durante aqueles momentos podiam comer, beber, dançar, sentir-se bem e com alegria. E isso certamente valia o uso dos recursos.

 

Às portas do castelo estava novamente Raquel.

 

«Bem vindo David.» saudou Raquel.

 

«Obrigado.» disse David «Já há algum tempo que não vos via.»

 

«Bem vinda também Freira. Ou deverei chamá-la por Catarina?» indagou Raquel.

 

«Freira chegará.» disse Freira sorrindo. «Quase ninguém me trata por meu nome.»

 

«Bem vindos também vós.» disse Raquel dirigindo-se ao resto do grupo, sendo saudada também pelos outros.

 

As portas abriram-se e o rugir da populaça atingiu-os como um furacão. O grupo trotava pelas ruas cobertas de flores e bandeiras dos dois reinos. David estava habituado á exuberância das festas de Guildenhome mas para os outros foi uma experiência avassaladora.

O grande palácio recebia-os entre os vivas do povo e a pompa e circunstância da nobreza.

Raquel liderou o grupo pela grande escadaria e todos se ajoelharam diante do rei.

 

«Meu pai e senhor.» disse Raquel. «Vossos convidados apresentam-vos os seus cumprimentos.»

 

«Bem vindos a meus domínios.» disse o rei

 

«Obrigado majestade.» disse David. «Permitai-me que vos apresente minha mulher Freira, A oráculo de Balad Naran Lígia. André de Vulkir, Rose de Arelai e Cátia de Venoa.»

 

«Um prazer conhecer-vos.» disse o rei. Entrai e sede bem vindos á minha mesa.»

 

Foram então levados a aposentos preparados para eles e puderam banhar-se e trocar as suas armaduras por roupas mais apropriadas a uma festa real. Só então fizeram a sua entrada na festa que se desenrolava num dos grandes salões do palácio. Aí se encontravam mesa após mesa cobertas de comida e bebida enquanto os convivas se banqueteavam inúmeros criados iam e voltavam trazendo sempre mais. A chegada do grupo causou sensação. Raquel num lindo vestido branco liderava a entrada com Fábio a seu lado num dos seus melhores fatos de gala, um verdadeiro cavaleiro. Atrás deles David envergando um dos seus fatos de festa e a sua coroa de príncipe deslumbrava pelo seu porte real e a seu lado Freira com um belíssimo vestido de cor salmão e a sua pequena tiara de princesa causava sensação entre as mulheres que ainda havia pouco tempo a criticavam por ter parecido tão pouco feminina de armadura, mostrava-lhes agora que o seu porte real e a sua beleza eram de facto assombrosas. André com o seu fato de gala, debruado em ouro mostrava o orgulho dos de Vulkir. Cátia vestia uma toga de cor purpura, a cor real, era simples e ao mesmo tempo de uma beleza pura como só os Helénicos conseguiam demonstrar e o seu sorriso conseguia a simpatia de todos os que o viam. Rose usava um vestido preparado para ela pois os de Arelai devido ao seu clima tropical não usavam os elaborados fatos de outros reinos. Sentia-se um pouco presa mas não seria isso que a impediria de estar ali. Usava os ornamentos de festa de seu povo e conseguia um contraste interessante com o vestido de Guildenhome. Lígia entrou nas suas melhores vestes de sacerdotisa e toda a festa virou a cabeça.

Todos aproveitaram a festa e muitos foram os convivas surpresos pela quantidade de comida consumida por André e pela quantidade de álcool que Cátia aguentava. Rose estava um pouco abismada com a cacofonia incrível de uma festa num castelo. As festas de Arelai embora barulhentas não se comparavam á confusão de vozes, risos e música ali sentidos por ela.

David e Freira aproveitaram para poderem dançar juntos, algo que não faziam já há algum tempo. Os seus olhos não se separavam e os seus sorrisos não deixavam os seus lábios. Quando deram por isso eram o único casal rodopiando pelo salão e no centro de tal multidão um beijo arrancou aplausos de todos os que os viam.

 

«Um dia farei isto.» disse Raquel com uma lágrima no canto do olho.»

 

«Sim fareis.» disse Lígia. «Em breve. E com o homem que amais.»

 

«Achais mesmo?» perguntou Raquel.

 

«Sim.» disse Lígia. «E Fábio pensa fazer o mesmo.»

 

«Como sabeis?» indagou Raquel surpresa.

 

«Podeis esconder vossos sentimentos de muita gente.» disse Lígia. «Mas de mim é quase impossível. Vossos olhos não deixam os dele quando achais que ninguém vos vê.»

 

«Por favor...» ia dizer Raquel.

 

«Vosso segredo está a salvo.» disse Lígia sorrindo. «Vosso amor é lindo e sereis felizes.»

 

«Obrigado Lígia.» disse Raquel voltando á festa com um sorriso de felicidade no rosto.

 

A festa durou até á madrugada e todos se deitaram tarde e acordaram já o sol ia alto.

 

O rei de Guildenhome iria receber nesse dia mais um representante real. Um membro real que causava mais desconforto que alegria aos seus aliados. O rei de Kalil e o seu séquito vinham para Guildenhome acompanhados por um contingente do que restava do povo das Amazonas. Entre eles vinham Carmen e Ivandro.

Kalil vivia num regime de medo e escravatura. O seu rei dominava o povo através do seu exército, mantido também pelo medo, qualquer transgressão era punida com a morte. O resto do povo era oprimido e escravizado. A viagem até Guildenhome tinha sido desconfortável pois o rei embora deposto pelos anjos de Rashagall continuava a escravizar o seu povo e as Amazonas toleravam pouco o tratamento abusivo de mulheres que o rei assim decidia e por vezes tinha havido escaramuças entre eles.

A chegada a Guildenhome também tivera problemas, pois depois de uma festa no dia anterior o castelo estava um pouco letárgico e apático á presença de sua majestade o rei de Kalil.

 

David e o grupo esperavam para falar ao rei enquanto rei de Kalil tecia as suas queixas ao rei de Guildenhome que estava sem paciência para a arrogância do seu interlocutor. O rei de Kalil queixava-se de faltas de respeito das Amazonas e sem pensar ia atirar a sua taça a Carmen mas Ivandro, também sem pensar impediu o rei.

 

«Insolente!» gritou o rei. «Morrerás por isto!»

 

«Não!» gritou Carmen. «Não matareis o homem que vos salvou a vida!»

 

«Ousou impedir uma acção real!» exclamou o rei. «A morte é a sua única pena!»

 

«Majestade!» exclamou David surpreendendo todos. «Em honra de estardes em Guildenhome não poderíeis comutar a sentença?»

 

«Não!» exclamou o rei. «Nossas leis são claras.»

 

«Mas assim o seu castigo será curto.» disse David interpondo-se entre a alabarda de Carmen e o rei. «Não consideraríeis uma pena mais forte?»

 

«Como assim?» perguntou o rei interessado.

 

«Que tal condená-lo a uma vida de servidão?» disse David sorrindo. «Para sempre separado do seu povo e obrigado a servir outro.»

 

«Maravilhosamente cruel.» respondeu o rei. «Mas quem seria seu senhor?»

 

«Seria uma honra servir os desígnios de vossa majestade.» disse David ajoelhando-se perante o rei.

 

«Este príncipe sabe como se comportar perante a realeza.» disse o rei inchado de orgulho por ter o príncipe de Balad Naran ajoelhado perante ele. «Dou-vos a vida deste escravo para fazerdes dele o que vos aprouver.»

 

«Obrigado majestade.» disse David levantando-se e levando o apático Ivandro com ele para fora do salão seguido de perto por Carmen.

 

«Majestade.» disse Lígia. «Como sabíeis que Ivandro era um dos que nós iríamos   necessitar em nossa demanda?»

 

«Não sabia.» disse David. «Faria isso por qualquer um nessa situação.»

 

«David de Balad Naran!» gritou Carmen nas suas costas.

 

«Carmen das Amazonas.» disse David olhando-a.

 

«Como vos atreveis a tomar um escravo?» indagou Carmen. «Não tendes vergonha?»

 

«Eu não tomei um escravo.» disse David calmo. «Salvei a vida a um jovem cuja ajuda necessito.»

 

«Mentiras!» gritou Carmen. «Esqueceis que ouvi tudo o que haveis dito?»

 

«Se não vos lembrais de quem sou, lembrai-vos do juramento feito na árvore de Oten!» exclamou David.

 

«Eu lembro-me.» disse Carmen. «Fizemos os três o mesmo juramento de irmãos.»

 

«Sim.» disse David. «Nunca mais deixaríamos um inocente morrer por razões estúpidas.»

 

«Mas no salão?» perguntou Carmen.

 

«Fiz tudo o que podia para salvar Ivandro como prometera.» disse David. «Assim como estaríeis pronta a sacrificar a vossa vida para o salvar.»

 

«Então Ivandro?» indagou Carmen.

 

«È livre.» disse David. «Mas virá comigo de sua de sua livre vontade e ajudar-me-á na minha missão.»

 

«Então irei convosco.» disse Carmen.

 

«Mas Carmen...» ia dizer David.

 

«Ivandro ficou em perigo por minha causa.» disse Carmen mais calma. «Irei com ele para saldar a minha divida.»

 

«Muito bem.» disse David. «Sejam bem vindos.»

 

«Obrigado majestade.» disse Ivandro prostrando-se á frente de David.

 

«Levantai-vos Ivandro.» disse David. «Sois um homem livre e um guerreiro.»

 

«Sim majestade.» disse Ivandro erguendo-se com um sorriso.

 

«Lígia.» disse David. «Encontrámos todos?»

 

«Não majestade.» disse Lígia. «Existem mais dois na corte de quem precisamos, mas vai ser difícil consegui-los.»

 

«Porquê?» indagou Freira.

 

«São a princesa Raquel e Fábio.» disse Lígia.

 

Não sabendo como agir o grupo passou mais um dia em Guildenhome, mas Tassadar interveio sob a forma de um sonho que o rei teve. Nesse sonho o rei via de forma profética a morte de seus súbditos. E a forma de evitar tudo isso era que a princesa não se encontrasse no reino. Tassadar tinha intervido a pedido de Artanis que sentira a necessidade de David.

 

No dia seguinte o rei falava com David para que este levasse Raquel de seu reino por algum tempo. David aproveitou o ensejo e pediu um guarda real para acompanhar a princesa e Fábio foi o escolhido.

E assim no fim do dia Fábio e Raquel juntavam-se á demanda e partiam para as montanhas de Cobb.