Capítulo 13

 

Kyra encontrava-se agora perante eles, majestosas planícies desérticas pejadas aqui e ali por restos de batalhas. Era um país guerreiro, onde desde pequenos que eram treinados para a guerra. As poucas quintas que existiam eram fortificadas e os animais de pasto eram fortes e quase blindados. Embora a vida fosse difícil e dura o povo guerreiro de Kyra era também hospitaleiro. Nunca nenhum viajante em Kyra passaria uma noite ao relento pois qualquer quinta ou estação de muda de cavalos lhe deixaria passar a noite.

O grupo entrou na principal planície que levava ao grande castelo de Kyra. Era uma construção incrível, toda uma montanha tinha sido transformada em castelo o que a tornava quase inexpugnável. Todos os níveis eram protegidos por muralhas de rocha maciça. Das suas ameias os terríveis trabuquetes disparavam projecteis sobre as planícies e agora balistas estavam ao seu lado podendo encher os céus com uma chuva de flechas que por vezes escureciam o sol.

Cavalgavam pela planície pois Kyra ainda sofria muito com ataques a caravanas de refugiados, pois ficavam muito vulneráveis a ataques, a descoberto nas planícies. Mas não eram os alvos desta vez mas sim uma coluna maior de refugiados.

 

«Vamos ajudá-los!» exclamou David.

 

Todo o grupo virou e carregou sobre a coluna sob ataque. Era uma coluna de pessoas que contornara as montanhas de Meneloth e vinham de Hellrog e Malikor. No meio dessa coluna Filipe e Luís lutavam para proteger os seus aliados do perigo. A chegada do grupo de David encheu-os de esperança.

 

«Obrigado pela ajuda!» exclamou Filipe. «Se fosse só confiar neste, Ele abandonar-me-ia aqui aos anjos.»

 

«Mentira!» gritou Luís. «Mais depressa faríeis isso vós!»

 

«Deixai as picardias para depois de vencer-mos esta batalha!» exclamou Carmen

 

«Lembram-me alguém estes dois!» exclamou André rindo.

 

«Quem?» perguntou Lina amuando.

 

«Como se não soubesseis!» declarou Cátia gargalhando.

 

«Mais tarde!» exclamou Freira. «Por agora lutemos!»

 

Os anjos que tinham recuado ao ver um grupo carregar sobre eles tinham recuperado e voltavam ao ataque.

As armas estavam em riste e esperavam o embate, todos tensos e prontos para se defenderem, os seus olhos postos nos voadores inimigos que os atacavam. Fábio mostrou então a sua arma o Vento de Guerra. Um machado bicéfalo preso por uma corrente ao seu pulso. A corrente percorria a armadura de Fábio e podia ser estendida ou recolhida por meio de pequenas roldanas operadas pela mão que segurava o escudo. O machado começou a ser rodado no ar causando um vento de onde provinha o seu nome. Raquel usava uma armadura leve e das suas ancas pendiam os dois chicotes de metal que usava como armas. Ivandro usava apenas roupas normais pois em Kalil o uso de armaduras era considerado cobarde. Usava a lança curta do seu povo e o escudo de pele curtida para protecção. Carmen usava uma armadura curta de peito e de ancas e botas pois o uso de uma alabarda com uma armadura mais pesada tornar-se-ia quase impossível.

A primeira a defender-se foi Rose e a sua azagaia colheu um dos anjos e enquanto voltava a recolhê-la Cátia e o seu hoplon colocavam-se entre ela e o inimigo protegendo-a. O seguinte caiu devido ao Vento de Guerra e enquanto Fábio retirava o machado Ivandro cobria-o com o seu escudo. E a sua assegai colheu também uns inimigos que se aproximaram demais. Carmen mostrava que a alabarda não era uma arma grande e desengonçada mas sim uma arma versátil que lhe oferecia protecção e três distintas oportunidades de ataque. O machado fazia golpes horríveis na carne dos seus inimigos e quebrava ossos e mesmo que um inimigo não morresse ficava inutilizado para a batalha. No topo um bico afiado podia ser utilizado como lança e o fundo do cabo também por isso atacar Carmen era jogar com a vida três vezes e poucos eram os que podiam dizer que sobriveram. Filipe nas suas roupas ornadas de ouro e pedras preciosas não parecia estar pronto para uma batalha mas a sua akinaki era usada furiosamente e muitos caíram aos seus pés. Por vezes ficava mais vulnerável mas Luís oferecia protecção com o seu escudo e a espada recurva de Malikor fazia vitimas quando brandida.

 

«O melhor na batalha não é só aquele que mata mais.» disse Luís. «Também é preciso sobreviver á batalha.»

 

«Que seja.» disse Filipe. «Obrigado.»

 

Lina usava a sua Kama para infligir ferimentos terríveis mas a sua fúria deixava-a por vezes cega aos inimigos e Bruno e a sua espada e escudo protegiam a sua aliada, e os seus olhos cruzaram-se e o brilho que viram neles fê-los sorrir.

Toda a batalha decorria numa retirada onde David, André, Lígia e Freira levavam os civis cada vez mais perto dos grandes portões de Kyra.

 

«Agora!» gritou David. «Correi!»

 

Todos pararam de lutar e correram deixando os anjos um pouco atarantados e sem saber o que fazer até ser tarde demais. David vira qual era o alcance das balistas de Kyra e trouxera a batalha cada vez mais perto e depois de estarem ao alcance correra deixando os anjos sozinhos dentro do mortal perímetro. O céu ficou escuro de flechas e a chuva mortal acabou a batalha.

 

O grandes portões abriram-se e todos entraram na grande cidade de Kyra. Os refugiados foram imediatamente levados para alojamentos e hospitais tudo com a eficiência militar de que Kyra era famosa.

 

«Grande batalha!» exclamou Andreia aproximando-se de David. «Só vós podíeis ter tido uma ideia assim David!»

 

«Soldado! Estais na presença de realeza!» disse o capitão com uma vénia. «Perdoai-a majestade.»

 

«Não vos preocupeis caiptão.» disse David sorrindo. «Andreia é uma velha amiga e aliada de outras batalhas.»

 

«Isso não desculpa o seu comportamento.» disse o capitão. «Vou avisar sua majestade que vos encontrais aqui.»

 

«Vejo que haveis sido despromovida novamente.» disse David sorrindo.

 

«Sabeis que só sou promovida em tempo de guerra e que em tempo de paz me meto em sarilhos e perco as minhas comissões.» disse Andreia a sorrir também. «Ninguém para esta guerreira.»

 

«Majestade...» disse Lígia.

 

«Andreia é uma das que necessitamos.» disse David sorrindo. «Já esperava que isso acontecesse.»

 

«Sim, majestade.» disse Lígia. «Mas os dois jovens que lutaram connosco são-no também.»

 

«Isso também é óptimo.» disse Freira sorrindo feliz.

 

«Sim. Mas não para os nossos ouvidos.» disse Cátia com uma gargalhada.

 

«Mas pelo menos distrai-nos das quezílias de Lina e Bruno.» disse Rose corando em seguida.

 

A boa disposição corria pelo grupo.

 

«Mas sinto a presença de mais pessoas.» disse Lígia. «E não são de Kyra.»

 

«Bons lutadores de fora de Kyra?» perguntou Andreia ouvindo a última parte da conversa. Talvez sejam as irmãs de Meneloth que se encontram comigo.»

 

«Gostaria de as conhecer.» disse Lígia.

 

«Iremos sim.» disse David. «Mas por ora devemos ir visitar sua majestade.»

 

«Ireis acompanhar-nos?» perguntou Freira a Luís e Filipe.

 

«Ao ser dispor majestade.» disse Luís com uma vénia atabalhoada.

 

«Com certeza.» disse Filipe com o seu melhor tom real.

 

E assim todo o grupo se apresentou coberto de sangue ao rei de Kyra. Algo que não era nada estranho num reino guerreiro como Kyra, onde até a realeza descia aos pátios e defendia o seu povo.

 

«Bem vindo príncipe de Balad Naran.» disse o rei. «Peço desculpa pela recepção que haveis tido mas Rashagall não tem parado os seus ataques ás caravanas.»

 

«Não vos preocupeis.» disse David. «Sabíamos do perigo.»

 

«Que fazeis tão longe de casa meu jovem?» perguntou então o rei.

 

«Procuro soldados para uma missão.» respondeu David honestamente.

 

«E de quantos precisareis?» disse o rei. «Não disponho de muitos recursos agora.»

 

«De apenas um.» disse David.

 

«Um!?» exclamou o rei. «Arriscais a vossa vida para vir pedir um soldado?! Deve ser muito necessário.»

 

«Assim o é.» disse David.

 

«E quem é esse soldado?» perguntou o rei.

 

«Andreia.» disse David com um sorriso ao ver a cara de surpresa de Andreia.

 

«Uma escolha interessante.» disse o rei. «Se não fosse o seu feitio já seria uma das minhas generais mais estimadas. Acho que posso cedê-la.»

 

«Obrigado majestade.» disse David. «Deixo-o agora aos seus assuntos mais importantes.»

 

E todo o grupo deixou o salão real com Andreia ainda meio abismada seguindo-os.

 

«David tendes a certeza que me quereis?» perguntou Andreia.

 

«Andreia sois uma grande guerreira.» disse David.

 

«Em mais sentidos do que um.» disse André em surdina o que lhe valeu uma cotovelada de Carmen no estômago que o deixou sem vontade de rir.

 

«Mas sabeis como sou.» disse Andreia.

 

«E não vos quereria diferente.» disse David. «Sede bem vinda.»

 

«Obrigada.» disse Andreia limpando uma lágrima do canto do olho. «Espero ser merecedora desta honra.»

 

«Sereis de certeza.» disse Fábio.

 

«A mesma oferta vos faço.» disse David olhando Luís e Filipe.

 

«Majestade seria uma honra servir-vos.» disse Filipe.

 

«Essa missão é perigosa?» perguntou Luís.

 

«Extremamente.» disse Freira.

 

«Contem comigo.» disse Luís sorrindo. «E aposto que me sairei melhor que Filipe.»

 

«Isso queríeis vós.» disse Filipe.

 

«Retiro o que disse.» disse Rose sorrindo. «Eles são piores que Lina e Bruno.»

 

«É assim o amor.» disse Cátia libertando uma gargalhada por todo o grupo.

 

«Vou levar-vos ás minhas convidadas.» disse Andreia.

 

Atravessaram as ruas de Kyra, mas não se sentia calor no ar. Estava gelado como se as almas desta gente sofredora se tivessem tornado gelo. Os cumprimentos não tinham calor e as pessoas vagueavam nas ruas como fantasmas silenciosos. Até o grupo se calou ao sentir aquela atmosfera. Mas em breve estavam em casa de Andreia onde Tânia e Joaninha se encontravam hospedadas. Lígia pressentiu imediatamente as suas auras e olhou David com intensidade.

Tânia e Joaninha contaram a sua história e todos se emocionaram.

 

«Eu pretendo voltar a entrar nas terras do leste.» disse David. «Mas primeiro terei de me dirigir para Oeste.»

 

«Tânia é melhor que nos juntemos a eles.» disse Joaninha.

 

«Mas eles dirigem-se para Oeste.» disse Tânia. «Beatriz foi levada para Leste.»

 

«Não encontraremos ninguém que vá para Leste agora.» disse Joaninha. «E voltaremos para Leste depois. Pode ser a única hipótese que teremos.»

 

«As tuas palavras soam a verdade.» disse Tânia. «Será então a nossa melhor hipótese.»

 

«É com prazer que as ajudaremos.» disse Carmen.

 

«Sim.» disse Freira. «Pelo juramento da árvore de Oten.»

 

«Sim.» disse David com um sorriso triste.

 

E assim o grupo cresceu mais ainda e preparou-se para a viagem para Oeste e para entrar nos territórios das Trevas.