Capítulo 16
Nikz era um reino dominado pelo seu vulcão. Era um povo que se via obrigado a mudar os seus aldeamentos em relação ás erupções e nesse ano tinha sido um bem mexido.
David e todo o grupo entraram no pó e fumo do vulcão. Correram pelas margens de rios de lava e passados alguns dias chegaram um aldeamento onde procuraram informações sobre uma guerreira conhecida de David e de outros do grupo.
Após mais dias de busca chegaram finalmente a um pequeno oásis no meio das cinzas vulcânicas.
«Parem.» disse Lígia. «Temos alguém á espera nas rochas antes da aldeia.»
«Soraia!» exclamou David. «Sou o príncipe David de Balad Naran!»
«Bem vindo majestade.» disse Soraia, uma jovem de estatura média, de cabelos longos e de cor do mel, com olhos expressivos e explosivos. «Como sabíeis que me escondia ali?»
«Eu pude ver a aura que vos rodeia.» disse Lígia.
«Venho pedir-vos a vossa ajuda.» disse David.
«De bom grado vos daria.» disse Soraia triste. «Mas preciso ficar e ajudar a sobrevivência da minha aldeia.»
«Podemos ajudar também.» disse Carmen com todos a concordar.
«Isso seria maravilhoso.» disse Soraia com um brilho feliz nos olhos.
«Que podemos fazer?» perguntou Freira.
«Estamos a cavar fossos para afastar a lava da aldeia.» disse Soraia.
«Então vamos!» exclamou André. «Mãos á obra!»
E durante alguns dias todos trabalharam lado a lado com o povo de Soraia para conseguirem salvar a aldeia. No dia em que terminaram, como se o destino assim o tivesse decidido o Vulcão Nik’Z entrou em erupção e a lava chegando aos fossos era desviada para longe da aldeia e das suas pequenas quintas.
Soraia olhava feliz para o resultado do seu trabalho e dos seus amigos.
«Vós haveis ajudado muito a minha aldeia.» disse Soraia comovida. «Está na altura de retribuir.»
«Então vireis connosco?» perguntou Cátia.
«Sim.» disse Soraia sorrindo docemente. «Até onde o destino o desejar.»
«Obrigado Soraia.» disse David. «Podeis indicar-nos o melhor caminho para os reinos a Norte?»
«Sim claro.» disse Soraia orgulhosamente. «Existem estradas que só nós os Nikz encontramos.»
E assim Soraia levou-os por estradas que apenas ela via e seguia e ao fim de poucos dias estavam na fronteira de Ungueth e das suas altas montanhas.
«Não gosto de estar aqui.» disse Soraia. «As pessoas destas terras não me inspiram confiança.»
«Nem a vós, nem a ninguém.» disse Patrícia.
«Só têm duas lealdades.» disse Paula. «Dinheiro e Ungueth.»
«Até as sereias o sabem.» disse Teresa.
«Mas também são obrigados a cumprir as suas promessas.» disse David. «E a pessoa que procuramos terá de cumprir a sua.»
«Sim.» disse Carmen. «Se é quem eu penso, terá de cumpri-la.»
«Ainda vos lembrais?» indagou David.
«Sim.» confirmou Carmen. «E vós?»
«Sim.» disse Patrícia .
«E eu também.» disse Soraia.
«Assim como eu.» disse Teresa.
A viagem continuou, mas sentiam-se sempre observados, como se olhos invisíveis os seguissem por onde iam. Mesmo o sons das montanhas eram diferentes, certos chamados de pássaros, os restolhares das árvores, até o movimento de arbustos.
«Sinto uma presença a seguir-nos.» disse Lígia.
«Todos nós sentimos.» disse Raquel.
«Não parece ser hostil.» disse Rose.
«Mas aqui tudo é enganoso.» disse Cátia.
«Vou experimentar algo.» disse Paula.
E sem deixar ninguém dizer mais nada Paula começou a cantar, uma pequena e triste canção que ecoava pela montanha e pelo vale para onde a estrada se ia desvanecendo e quase sem ser notada uma pessoa saiu das árvores onde estava perfeitamente camuflado.
Paula calou-se e o homem percebeu que tinha sido descoberto.
«Porque nos seguis?» perguntou David.
«Perdão majestade.» disse o homem curvando-se. «Minha missão era seguir-vos e levar-vos a minha aldeia onde se encontra o homem que procurais.»
«E poderemos confiar na palavra de um de Ungueth?» perguntou Soraia com raiva.
«Tanto quanto podemos confiar nas emoções de um Nikz.» disse o homem.
«Insolente!» gritou Soraia desembainhando as suas adagas.
«Soraia!» exclamou David. «Embainhai vossas armas por favor.»
«Sim, majestade.» disse Soraia visivelmente aborrecida.
«E vós ireis levar-nos até quem eu procuro.» disse David. «E se eu suspeitar que nos estais a enganar eu vou pessoalmente entregar-vos ás mãos de minha companheira.»
«Majestade.» disse o homem. «A minha missão será cumprida.»
E em pouco tempo o homem levou-os até uma aldeia secreta no meio das montanhas onde ás portas estava a figura imponente do homem que David procurava.
«Ouvi que estavas á minha procura velho.» disse o homem.
«Haveis ouvido bem Rodolfo.» disse David.
«Então vindes prender-me á minha promessa?» indagou Rodolfo sarcástico.
«Se tiver de ser.» disse David.
«Precisais então de minha ajuda.» disse Rodolfo. «E eu prometi-vos ajuda. Contai comigo. E vós aí atrás não precisavam de se por de maneira a ser vistas como testemunhas.»
«Só uma precaução.» disse Carmen.
«Nós cumpri-mos as nossas promessas.» disse Rodolfo montando o seu cavalo.
«Ainda bem que cumprem alguma coisa.» disse Soraia entre dentes.
«Também não me esqueci de vós Soraia.» disse Rodolfo. «Se não tendes o dinheiro ou uma promessa não deveis pedir favores a um de Ungueth.»
Rodolfo era imponente, a sua altura rivalizava com André, Ivandro e Filipe, musculado, usava sempre um fato negro como a noite que apenas deixava á vista os seus olhos pequenos e intensos. A sua pequena espada presa ás costas era um arsenal de pequenos objectos mortais que se juntavam em forma de espada.
Enquanto os levava para a fronteira do seu reino Rodolfo ficava sempre um pouco afastado do grupo, mais longe do que Paula que ainda não se entrosara bem com todo o grupo.
«Rodolfo.» disse Freira. «Posso falar convosco?»
«Claro majestade.» disse Rodolfo um pouco surpreendido.
«Chamai-me Freira.» disse Freira. «Não consigo habituar-me a que me chamem majestade.»
«Se David não se importar, Freira será.» disse Rodolfo.
«Obrigado.» disse Freira.
«Que me quereis?» perguntou Rodolfo.
«Que promessa haveis feito a David?» perguntou David. «Se não vos for pedir demasiado.»
«Não é algo de que fale muito.» disse Rodolfo. «Prefiro falar de vinhos e mulheres. Mas posso falar-vos da promessa.»
«Ainda bem.» disse Freira.
As memórias de Rodolfo voltaram então atrás até á incursão em que tinha participado com David e outros. As sua melhor memória era a de ter sozinho eliminado uma guarnição inteira de Orcs a coberto da noite. Rodolfo seria sempre lembrado como a sombra negra pelos exércitos de Orcs que o haviam enfrentado. Mas a incursão estava a chegar ao fim depois de David, Carmen e António terem voltado de Oten. Mas ainda havia uma guarnição de Uruks por perto e Rodolfo queria eliminá-la.
«A incursão terminou.» disse David. «O exército irá desmobilizar e retornará aos seus reinos.»
«Mas velho a guarnição de Uruks está muito perto das nossas fronteiras.» disse Rodolfo. «Temos de eliminar esse perigo antes de voltarmos.»
«A incursão terminou.» disse Carmen.
«Esperai.» disse António surpreendendo todos. «Acho que Rodolfo tem razão.»
«Mas fostes vós que haveis pedido para terminar a incursão.» disse Carmen exasperada.
«Sim, contra uma aldeia indefesa.» disse António. «Rodolfo está a falar de uma guarnição de soldados Uruk nas nossas fronteiras.»
«Entendo.» disse David. «Mas não quero um ataque total. Apenas o suficiente para desalojá-los para o seu reino.»
«Concordo.» disse António. «Será um ataque com um grupo pequeno.»
«Mas quero uma promessa de vós Rodolfo.» disse David.
«Que quereis?» perguntou Rodolfo.
«Quando precisar de ajuda vós ireis ajudar-me para compensar este ataque.» disse David.
«Assim será.» disse Rodolfo. «Á frente de testemunhas prometo.»
O ataque foi feito com um grupo pequeno de pessoas, David, Carmen, António, Rodolfo, Teresa, Patrícia, Soraia, Cristina e Vanessa.
Rodolfo infiltrou-se na guarnição usando as sombras e abriu as portas para uma entrada de rompante dos seus companheiros enquanto Patrícia os protegia de longe com o seu arco ajudada por Cristina.
Foi uma batalha curta e feroz mas em pouco tempo a guarnição ardia e os Uruks retiravam. Um dos últimos Uruk da base apanhou Rodolfo de surpresa e só a espada de António o salvou. Depois desse ataque o exército desmobilizou-se e todos regressaram aos seus reinos.
«Nesse ataque jurei que pagaria a minha dívida a António.» disse Rodolfo. «Anos mais tarde cumpri essa promessa.»
«Como assim?» perguntou Freira.
«Anos mais tarde, António entrou na minha aldeia ferido.» disse Rodolfo. «Procurava uma bruxa de Zaigonne.»
«Cláudia?» perguntou Freira.
«Sim.» disse Rodolfo. «Já a tínhamos enfrentado durante a incursão. Eu tratei as suas feridas e permiti que ficasse na aldeia até estar recuperado.»
«E depois?» indagou Freira cada vez mais curiosa.
«Quando as suas feridas sararam, desapareceu na noite á procura de Cláudia.» disse Rodolfo. «A minha jura tinha sido cumprida.»
«Haveis ouvido mais alguma coisa dele?» perguntou Freira.
«Nada que valha a pena repetir.» disse Rodolfo. «Eram apenas rumores e lendas. Nada de concreto.»
«Então veio até aqui.» disse Freira. «Terá ido a té Zaigonne.»
«Só se fosse louco.» disse Rodolfo. «Mas estava obcecado com Cláudia.»
E com isso Rodolfo voltou ao seu comportamento distante e Freira ficou a pensar no que teria sucedido a António.



