Capítulo 2
Como posso eu, mortal que sou, tentar descrever a mesa onde os deuses jogavam o seu jogo do destino. Tentem imaginar um mesa em forma de mapa do mundo, com as suas elevações, os seus povoados, os seus castelos. Tudo replicado ao mais pequeno pormenor como se o mundo fosse plano e esticado sobre a sua superfície. Sentada de um lado Rashagall, brilhando como mil sois, olhando a devastação provocada pelo uso das suas cartas. Quase todo o Leste emanava fumo das suas cidades destruídas. As cartas de Rashagall estavam dispersas sobre a mesa jogadas sobre cidade após cidade enquanto os exércitos da Luz destruíam os seus aliados.
No outro extremo da mesa os outros três deuses olhavam, quase sem acreditar, no que Rashagall tinha feito.
O plano de Rashagall era perfeito. Ou ela continuava a destruir todas as forças em jogo, ou os outros se uniam para detê-la. De qualquer maneira Rashagall ficaria livre de milénios de jogo, de empate após empate, de um combate que não levaria a nada para toda a eternidade. Que destino era esse para uma deusa? Não. Rashagall seria livre de decidir o seu destino, isso ela garantiria.
Os outros deuses completamente absortos nos seus problemas nem se apercebiam da manipulação de Rashagall e continuavam com o seu plano de união contra ela.
Porem havia outra entidade á mesa de jogo, um árbitro, um observador mudo das acções dos deuses, O Nexus.
Nexus estava imóvel na sua cadeira desde o primeiro jogo do destino. Observava sem se intrometer no jogo que criara. Vira milhares de batalhas, heróis e vilões, sacrifícios e felicidades sem sequer pestanejar. Mas pela primeira vez em milénios o equilíbrio era desafiado. O mundo estava de novo em perigo de destruição e isso o Nexus não podia deixar acontecer sem intervir.
O som causado pelo seu primeiro movimento, assustou os quatro deuses, Foi como se parte do Universo tivesse sido quebrado, enquanto o Nexus imóvel á milénios se levantou de sua cadeira ao centro do jogo e se dirigiu para mesa. Os dedos esqueléticos da entidade apontaram para todos os lugares do mundo, como se os contasse e depois sem dizer nada se sentar novamente em sua cadeira voltando á sua imobilidade natural.
Rashagall tinha ficado sobressaltada, Artanis, Zerathull e Tassadar esperançosos, mas nada parecia ter mudado. Os movimentos do Nexus não pareciam ter tido qualquer efeito, e assim o jogo continuou.
David e Freira chegaram ao templo e encontraram uma cena caricata. Lígia nos seus trajes de sacerdotisa, estava de gatas no chão do templo.
«Bons dias Lígia.» disse David tentando conter o riso.
«Ah, mesmo a pessoa que esperava.» disse Lígia erguendo-se do chão com algo nas mãos. «Sabeis o porquê do meu chão estar coberto de pérolas?»
«Pérolas?» perguntou Freira ao ver David ficar tão pálido como um fantasma.
«Sim, pérolas.» disse Lígia abrindo as mãos e mostrando algumas pérolas em forma de gotas de água.
«Isso não são pérolas.» disse David quase num sussurro. «Isso são as lágrimas de Artanis.»
«Que dizeis?» indagou Lígia surpreendida.
David explicou então o seu sonho a Lígia.
«Então estas pérolas são as lágrimas que Artanis derramou.» disse Lígia pensativa. «O que me dizeis é horrível mas não tive visões de qualquer espécie nestes últimos dias. Como se algo estivesse a bloquear a minha ligação aos deuses.»
«Eu não acredito que a Senhora Rashagall esteja a fazer o que dizes.» disse Freira. «Porque ela se voltaria contra o seu povo?»
«Eu não sei no que deva acreditar.» disse David. «Pensei ser apenas um pesadelo, algo que imaginei mas estas lágrimas provam que aconteceu.»
«Tenho imensa pena de não vos poder ajudar mais majestades.» disse Lígia pesarosa. «Até ter um sinal dos deuses também não consigo dar-vos mais informações.»
«Muito bem.» disse David. «Teremos de arranjar informações á maneira antiga.»
«Um bom plano.» disse Freira.
No mesmo dia, vários barcos partiram para os países fronteiriços ás costas de Balad Naran.
Mudemos então de cenário, passemos sobre o mar, sobre os navios e cheguemos ao grande continente do Leste e aos poucos povos que ainda resistiam ao poder de Rashagall.
Em Guildenhome, embora surpresos pelo ataque a rede de pequenos fortes ainda resistia aos ataques. As montanhas de Cobb ainda resistiam aos ataques enquanto os clãs se escondiam para lutar contra um inimigo tão intimo. No Norte Kyra resistia a ataques de um inimigo nunca esperado. No sul Vulkir também ainda resistia. Mas embora quatro reinos ainda resistissem ao assalto, eram também inundados pelos refugidos que fugiam diante dos inimigos. Mesmo que pudessem resistir, a fome ia em breve sobrepojálos .
Em Guildenhome a situação começava a ficar desesperada. O fluxo de refugiados era tão grande que as reservas de comida seriam rapidamente esgotadas e Guildenhome por muito forte que fosse a sua defesa cairia.
No grande castelo de Guildenhome o rei vociferava com os seus generais atónitos e sem saberem o que fazer.
«Meu pai!» exclamou a princesa Raquel. «Não irá adiantar gritar mais com nossos generais. Eles são os que ainda nos mantém de pé frente aos exércitos de anjos de Rashagall.»
«Filha, não percebeis o que enfrentamos.» disse o rei carinhosamente.
«Entendo mais do que me dais crédito.» disse Raquel. «A nossa situação é desesperante. As nossas reservas de alimento esgotam-se depressa e o pânico impera nas ruas do nosso povo.»
«Sim, vejo que entendeis a nossa situação melhor que pensava.» disse o rei sorrindo tristemente. «Sempre fostes muito sensata.»
«Meu pai, teremos de enviar os refugiados para outro lugar.» disse Raquel. «Não quero parecer insensível, mas para resistir-mos teremos de o fazer.»
«Mas para onde?» indagou o rei. Todas as nossas fronteiras estão sobre ataque, Cobb, Vulkir e Kyra também estão na mesma situação.»
«Para Balad Naran então.» disse Raquel
«Balad Naran não enviou ainda sequer um navio de auxilio.» disse o rei. «Provavelmente estão sobre o ataque de forças das trevas.»
«Então estamos perdidos e Balad Naran também.» disse Raquel. «Se Balad Naran cair os exércitos das trevas atacar-nos-ão pela retaguarda e pereceremos. Se nós cairmos Balad Naran cairá com o ataque das forças de Rashagall.»
«Assim parece, minha filha.» disse o rei tristemente. «A nossa situação parece ser uma batalha perdida.»
«Deve haver alguma coisa que poderemos fazer.» disse Raquel decidida. «Recuso-me a acreditar que a única coisa a fazer é esperar pela morte.»
Raquel saiu da sala do trono e dirigiu-se a uma das muitas varandas das torres de Guildenhome. Ao olhar para Leste via o fumo das povoações já destruídas e nas estradas um serpenteante comboio de pessoas em fuga. O seu povo sofria, o seu povo fugia, e Raquel pensava neles e no homem que amava de todo o seu coração. Fábio estava lá nas linhas da frente. Lutando e salvando o seu povo do ataque cobarde de seres celestiais que sempre os protegeram.
«Volta são e salvo, Fábio.» pensou Raquel antes de voltar para dentro para continuar o seu trabalho de princesa. A nobreza não serve apenas para mandar, ele precisa de liderar, uma lição que Raquel sempre tivera presente.