Capítulo 40
A Pedra da Colheita era maior vista de perto. Quase uma tonelada de jade puro brilhando ao nascer do sol cobrindo os campos com uma tonalidade verde que acordava as plantações e as fazia florir.
«Quase não acredito nos meus olhos.» disse Angela. «Que poder é este?»
«Não é a Pedra.» disse Sérgio. «O poder não emana dela.»
«Vem da jovem ao pé da Pedra.» disse Claudina.
«Que poder.» disse Joana surpresa. «Não pensava que humanos pudessem chegar a tal nível.»
«Este poder é familiar.» disse Nela. «Lembra-me o poder de Cláudia.»
«Mas isso é impossível.» disse Ana Raquel. «Cláudia é agora uma Viuva Voadora.»
«Existe uma probabilidade.» disse Carmen. «Mas parece-me improvável.»
«Aquela jovem ser a filha de Cláudia e António.» disse Rute. «Mas devia ser uma criança e não uma jovem.»
«As Zaigonne não crescem á mesma velocidade que os humanos.» disse Claudina. «E sendo um cruzamento entre humano e Zaigonne, é muito possível que ela seja de facto a filha de António e Cláudia.»
«E se falássemos com a jovem?» sugeriu Cristina.
«Seria melhor que especular-mos aqui.» disse Vanessa.
O grupo aproximou-se da jovem enquanto esta terminava os seus rituais.
«Bem vindos estrangeiros.» disse a jovem. «O meu nome é Joana, mas chamam-me Cantante.»
«Cantante?» perguntou Ana Raquel.
«Os meus rituais envolvem cantigos.» disse Cantante. «Por isso passo a maior parte do meu tempo a cantar e o povo chama-me Cantante.»
«Perdoai a indiscrição, mas sabeis quem são vossos pais?» perguntou Cristina um pouco atabalhoada.
«Pelo que me foi dito sou filha de um cavaleiro desonrado e de uma bruxa.» disse Cantante. «Não sei mais do que isso, nem seus nomes eu sei.»
«Haveis sido criada pelos habitantes da aldeia?» perguntou Vanessa.
«Não.» disse Cantante. «Pelo nosso protector. Mas pareceis muito interessados em meu passado.»
«O cavaleiro desonrado era meu amigo e professor de alguns entre nós.» disse David.
«A bruxa pertencia ao nosso reino.» disse Nela
«Podeis falar-me deles?» perguntou Cantante com um brilho nos olhos.
«Claro que sim.» disse David.
«Mas primeiro temos de falar-vos de outra coisa.» disse Pequenina.
David falou então de sua missão a Cantante.
«Não posso fazer essa decisão sozinha.» disse Cantante. «Necessito falar com nosso protector.»
«Podemos acompanhar-vos?» perguntou Lina.
«Claro.» disse Cantante. «Raramente tem visitas a não ser por mim.»
Cantante levou o grupo até á gruta onde estava exposta a aramadura de António.
«Podeis sair, estes estrangeiros precisam de nossa ajuda!» exclamou Cantante á entrada.
A criatura que saiu de dentro da gruta parecia ter sido tirada de um pesadelo. Tinha a altura de um homem, a sua pele negra, metálica, um grande par de asas de dragão nas costas, uma cauda serrilhada que terminava em forma de lança. O corpo segmentado como uma armadura, as suas mãos e pés terminando em poderosas garras. Uma face sem olhos ou nariz, apenas uma boca de dentes serrilhados e uma lingua com quatro dentículos. Uma cabeça lisa e puxada para trás como um capacete.
«Este é o vosso protector?» perguntou David surpreso.
«Sim.» disse Cantante. «Encontrou-me abandonada numa gruta e criou-me.»
«Porquê?» perguntou Soraia.
«Vejo que não estais habituada a ver demónios com bons sentimentos.» disse a criatura com voz sibilante.
«Não.» disse Soraia um pouco embraçada. «De facto não. Sempre fui levada a acreditar na maldade inerente dos demónios.»
«E na bondade dos anjos.» disse a criatura com um riso seco.
«Assim é... ou era o mundo onde vivemos.» disse Rute.
«Uma pergunta.» disse David. «Como tendes a armadura de António em frente de vossa habitação?»
«Então é esse o nome dele?» disse a criatura. «Finalmente sei vosso nome.»
«Não me haveis respondido.» disse David.
«Encontrei esta armadura no fundo de um desfiladeiro.» disse a criatura. «Estava toda amolgada e coberta de sangue e ossos mas restaureia e passou a ser a minha companhia enquanto criava a pequena Cantante.»
«E sabeis a história de Cantante?» perguntou Vanessa.
«Muito pouco.» disse a criatura. «A armadura disse-me que seu pai era um cavaleiro desonrado pois o emblema de seu reino e mesmo o de sua familia estava retirado, e sua mãe só podia ser a Zaigonne que se escondia nestas montanhas.»
«Eles sabem quem foram os meus pais.» disse Cantante. «Depois de tanto tempo de dúvidas finalmente a verdade.
«Não vos vou contar nada de alegria.» disse Catarina. «A história de ambos é trágica.»
«Eu sei.» disse Cantante. «Mas não saber é ainda pior.»
Catarina contou então a sua história a Cantante que a ouviu como uma criança ouvindo um segredo fabuloso.
«Fico feliz por terem ficado juntos no fim.» disse Cantante. «E feliz por meu pai ter ficado feliz por conhecer da minha existência.»
«Eu acho que é triste.» disse Cristina.
«Têem as duas razão.» disse a criatura. «Mas não vieram até aqui só para contar a história dos pais de Cantante.»
David contou então a sua missão á criatura.
«Então também deveis abandonar a Pedra da Colheita.» disse a criatura. «Sempre soube que este dia chegaria.»
«Mas não quero ir sozinha.» disse Cantante. «Vireis comigo?»
«Não ireis sozinha.» disse a criatura. «Todos eles estarão convosco.»
«Não é o mesmo e sabeis disso.» disse Cantante. «Sois minha familia desde que me lembro. Não quer ter de abandonar-vos.»
«Por favor vinde também.» disse Cristina surpreendendo todos.
«Sim, por favor.» disse Vanessa.
«Se é isso que desejais.» disse a criatura. «Irei convosco.»
«Como vos devemos chamar?» perguntou Ana Raquel.
«Chamai-me Evolus.» disse a criatura.
«Que tipo de demónio sois?» perguntou Greg.
«Sou um dos Primeiros.» disse Evolus.
«Primeiros?» perguntou Neuza.
«Quando a primeira guerra dos Deuses começou eles criaram os seus primeiros exércitos.» disse Evolus. «Os Primeiros das Trevas e da Luz.»
«E sois das Trevas?» perguntou Joana.
«Sou uma experiência falhada como todos os Primeiros.» disse Evolus.
«Falhada?» perguntou Carmen.
«No meio da escuridão há luz e no meio da luz há escuridão.» disse Evolus.
«Eram equlibrados.» disse Sérgio. «Alguns das Trevas seguiam a Luz e da Luz seguiam as Trevas.»
«Sois muito perspicaz Necromante.» disse Evolus. «Foi isso mesmo que aconteceu e os Deuses esqueceram-nos e criaram brinquedos mais perfeitos.»
«Então partamos.» disse David. «Para esse novo caminho que nos espera.»
«Posso...?» perguntou Cantante olhando Evolus como uma menina travessa.
«Podeis.» disse Evolus ajoelhando-se oferecendo-lhe as costas.
Cantante saltou para as costas da criatura que a criara e rodeou-lhe o pescoço com os braços. Evolus abriu as suas asas de dragão e com dois movimentos fortes e descendentes ganhou os céus sob o riso de Cantante. O grupo seguiu-os também a galope e na estrada após a passagem de Cantante as flores desabrochavam em resposta ao seu riso.